Justiça Climática,
Tecnologias Socioambientais
e Saberes Tradicionais
Tecnologias Socioambientais
e Saberes Tradicionais
Os discursos governamentais e midiáticos em torno do desenvolvimento sustentável ganharam maior impulso no contexto posterior ao Relatório de Brundtland, na década de 80. Na ocasião, organismos multilaterais já demonstravam preocupação com os rumos do paradigma de desenvolvimento hegemônico. Os eventos climáticos e tragédias naturais posteriores confirmaram as previsões. Portanto, diante dos fenômenos naturais influenciados pela modernidade e suas implicações sociopolíticas, inúmeras áreas do conhecimento e instituições vêm se esforçando para debater, mitigar e evitar o agravamento da emergência climática em curso. De forma mais aparente, os Objetivos do Milênio e, posteriormente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) desnudam a recorrência do tema nas agendas internacionais e de muitos países.
A quem cabe a responsabilidade de agir diante de tão grave problema? Teorias políticas clássicas podem conferir ao Estado tal função, podendo ou não ser influenciado por agentes externos. Correntes liberais sugerem a atuação espontânea de entes privados (Przeworski, 1995). A importância dos agentes na resolução de problemas em torno dos bens e recursos naturais levou Elinor Ostrom (1990) a ganhar o prêmio Nobel de economia em 2009. Ostrom (1990) sugere que a governança dos bens comuns (em que se incluem os naturais) deve contar com o protagonismo dos(as) atingidos(as), podendo dialogar com governos e entes privados, e tomando como base contratos vinculativos e relações colaborativas e autogovernadas.
Portanto, vislumbra-se que as interpretações e estratégias de superação dos problemas concernentes à emergência climática precisam considerar as perspectivas dos distintos sujeitos e instituições envolvidas. Apesar desse ideal e das pressões sociopolíticas de movimentos sociais e associações, é comum que eventos como as Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas pouco escutem a sociedade civil. Isso se mostra problemático porque a justiça climática e ambiental, enquanto ideal, apenas se alcançam quando há equidade no acesso ao meio ambiente saudável e equilibrado, além de justiça no “pagamento da conta” das mudanças climáticas por parte dos grandes causadores da mesma (empresas do Norte global e setores como o agronegócio). Assim, “Ao termo justiça climática atribuímos o sentido decorrente da forma pelas quais a mudança climática impactará direitos humanos básicos, exacerbando vulnerabilidades.” (Carvalho, 2022, p. 199).
Diante dessas questões, para além das participações de líderes mundiais e organismos multilaterais, as saídas para a emergência climática precisam considerar as vozes de grupos sociais como os povos originários, cientistas e ativistas ambientais. Os pesos e contrapesos dessa participação ampla é um caminho democrático ideal capaz de fazer com que as soluções globais para as mudanças climáticas atendam a racionalidades que transcendam os interesses econômicos dos países do Norte global. Além disso, a partir do fato de que problemas ambientais e climáticos desnudam desigualdades sociais e impactam a garantia de direitos, a ampliação da participação em eventos internacionais e na construção de políticas públicas nacionais pode fazer com que questões como gênero, raça, etnia, território e classe sejam pautadas e, assim, ações mais equânimes sejam implementadas.
Considerando esses aspectos, sugere-se que a emergência climática seja pautada a partir do Sul Global. Por Sul Global, compreendem-se os saberes, corpos, identidades e perspectivas que contrastam o sistema-mundo moderno, colonial, patriarcal, capitalista e branco, isto é, um campo em que se produz um pensamento alternativo das alternativas (Martins, 2019). Logo, vislumbra-se que a análise e recomendações para o problema em voga sejam provenientes de lógicas feministas, decoloniais, originárias, periféricas, contraliberais e negras. Propõe-se, então, um giro decolonial para se pensar a crise climática, algo que exige contemplar o diálogo entre saberes-fazeres que no Sul Global concebem tecnologias socioambientais e formas de pensar e estar no mundo mais harmônicas à natureza.